NÃO HÁ CORAGEM SEM RISCOS

Em Outubro de 2021, João Lourenço afirmou esperar que Isaías Samakuva, a quem o MPLA tinha ordenado que voltasse à presidência da UNITA depois de ter afastado Adalberto da Costa Júnior, tivesse “vindo para ficar” (posse como conselheiro da República).

Por Orlando Castro

João Lourenço disse-o conscientemente perante alguém que deveria ter tido a coragem “savimbista” de renunciar a este direito, como deveria ter tido a coragem de não aceitar voltar à liderança da UNITA.

Coragem não era propriamente uma qualidade de Samakuva. Hoje os angolanos começam a ter dúvidas se se Adalberto da Costa Júnior é um político corajoso.

Em Novembro de 2020, João Lourenço convocou o Isaías Samakuva, em detrimento do Presidente eleito da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, para abordar questões relativas a manifestação reprimida brutalmente pelo seu Executivo. Samakuva aceitou.

No início de 2021, João Lourenço, pela segunda vez, convidou Isaías Samakuva para participar na actividade da primeira-dama Ana Dias Lourenço, em detrimento do Presidente da UNITA Adalberto da Costa Júnior. Samakuva aceitou.

No dia 4 de Abril, João Lourenço convidou Isaías Samakuva, Miraldina Olga Jamba, Ernesto Mulato e José Samuel Chiwale, para participar do suposto almoço da paz, em detrimento de Adalberto da Costa Júnior, Presidente da UNITA. Samakuva aceitou.

O meu Amigo e velho companheiro dos bancos da escola, Paulo Lukamba Gato, raramente se engana. Mas ao comentar o plano estratégico do regime para combater o líder da UNITA, enganou-se. O Mais Velho dele, e também meu, continua a ter razão. De facto, “estamos a dormir e o MPLA está a enganar-nos”.

«O que me deixa tranquilo no entanto, é que no contexto actual já não há partidos políticos armados. Hoje os instrumentos de luta são a argumentação política e a justiça para arbitrar caso haja conflito», afirma Paulo Lukamba Gato.

Afirmação errada, como todos os dias se vê e sente. Muito errada e perigosa. Em Angola existe um partido, o MPLA, fortemente armado. Desde logo, e de forma inequívoca, porque as FAA são um instrumento do Estado e o Estado é do MPLA. Ou, como diz o partido que nos governa desde 1975, o MPLA é Angola e Angola é do MPLA. Portanto…

Recordo o que, por exemplo, escrevi aqui no Folha 8 (onde mais poderia ser?) em 11 de Janeiro de 2019 sob o título “Vocês estão a dormir e o MPLA está a enganar-vos”:

«A UNITA, o maior partido da oposição angolana, assegura que as cerimónias fúnebres do seu antigo líder e fundador, Jonas Savimbi, vão acontecer este ano, “mobilizando milhares de angolanos”, mesmo que sem honras de Estado, como já avisou o Governo.

“Queremos entender as declarações do general [ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente angolano] Pedro Sebastião como uma posição em que tomamos boa nota, mas o importante é que prevaleça a vontade de cooperação manifestada pelo senhor Presidente da República”, disse Alcides Sakala, então porta-voz da UNITA.

Em declarações à Lusa, Sakala referiu que Jonas Savimbi, morto em combate, em 2002, “não foi uma pessoa qualquer” e que a cerimónia das suas exéquias “vai mobilizar milhares de angolanos que virão de todos os cantos do país”.

Não foi, de facto, uma pessoa qualquer. Mas, tanto quanto parece, a UNITA de hoje tem medo, continua a ter medo, de exigir que o Estado/MPLA reconheça que Savimbi não só lutou pela independência de Angola como foi signatário (entre outros) do Acordo de Alvor que levou o país à independência, pelo que – conjuntamente com Agostinho Neto e Holden Roberto – deve figurar como um dos três fundadores do país independente.

E se antes foi o tempo dos contratados e escravos ovimbundus ou bailundos irem para as roças do Norte, agora é o enxovalho (mesmo que mitigado e maquilhado) ao dizer aos dirigentes da UNITA que ou se portam como o Estado/MPLA determina, ou terão de transportar pedras à cabeça para ter “peixe podre, fuba podre… e porrada se refilarem.”

Talvez (sejamos ingénuos) os dirigentes da UNITA, a começar por Isaías Samakuva, não tenham ouvido o clamor do Povo quando Jonas Savimbi morreu: “Sekulu wafa, kalye wendi k’ondalatu! v’ukanoli o café k’imbo lyamale!”. Ou seja, morreu o Mais velho, agora ireis apanhar café em terras do norte como contratados, ou ser escravos na terra que ajudaram a, supostamente, libertar.

É verdade que Savimbi nem sempre tinha razão. Quando dizia “Ise okufa, etombo livala” (prefiro antes a morte, do que a escravatura), estava muito longe de saber que a sua mensagem não faria escola entre os principais dirigentes da UNITA que, hoje, preferem a escravatura de barriga cheia e não trocam a lagosta (que o MPLA lhes dá com fartura) pela mandioca, ou farelo, que mantém milhões de angolanos mais ou menos vivos.

A UNITA chegou a criar, em Maio de 2014, uma comissão para tratar do processo de exumação dos restos mortais de Jonas Savimbi, que foi sepultado, logo após a morte, no cemitério de Luena, Moxico, e trasladado para o cemitério da família, na aldeia de Lopitanga, município do Andulo, a cerca de 130 quilómetros a norte do Kuito, província do Bié.

“Durante esse período das chuvas [entre Agosto e Maio] fica, de facto, muito difícil acolher um grande número de pessoas, a localidade e a região não têm capacidades para albergar milhares de pessoas nesse espaço, mas consideramos um passo importante esse processo”, indicou Alcides Sakala.

Para o também deputado da UNITA, o programa das exéquias do líder histórico do partido devia ser feito “num ambiente de serenidade de espírito”. Isto é, segundo Alcides Sakala, sem hostilizar o senhor colonial (MPLA), não fosse ele zangar-se e – como dono do país – dar ordens para que tudo ficasse na mesma.

“Eu estou sempre acordado porque estou em constante movimento. Vocês é que estão a dormir… por isso é que o MPLA está a aldrabar-vos”. Não somos nós os autores desta afirmação que, embora dita há muitos anos, mantém toda a actualidade. Quem a disse foi Jonas Savimbi.

Desde 2002 o Galo Negro deixou de voar. O visgo do MPLA mantém-no colado às bissapas. Os angolanos de segunda, que não os seus dirigentes, estão apanhar café às ordens dos novos senhores coloniais.

Com a chegada à Presidência (sem a obrigatória autorização do MPLA) de Adalberto da Costa Júnior, a UNITA resolveu o problema do visgo. Calculou-se então que o Galo iria voar. Ledo engano. O MPLA/Estado tinha-lhe cortado as asas.

De uma forma geral a memória dos angolanos, neste caso, é curta. Como aqui foi escrito várias vezes, todos sabíamos que se não fosse o MPLA a cortar as asas ao Galo Negro, alguém da própria UNITA se encarregaria de o fazer. E assim aconteceu.

Apesar de todas as enormes aldrabices do MPLA, as eleições acabaram sempre por derrotar em todas as frentes não só a estratégia mas a sua execução, elaboradas por alguns dos “generais” da UNITA.

As hecatombes eleitorais, sociais e políticas mostram que a UNITA não estava, como continua a não estar, preparada para ser governo e quer apenas assegurar alguns tachos e continuar a ser o primeiro dos últimos. Se assim não fosse, Isaías Samakuva teria mostrado que quem mandava na UNITA não era o MPLA. Mas é.

O sacrificado povo angolano, mesmo sabendo que foi o MPLA que o pôs de barriga vazia, não vê na UNITA a alternativa válida que durante décadas lhe foi prometida, entre muitos outros, por Jonas Savimbi, António Dembo, Paulo Lukamba Gato e Samuel Chiwale.

Terá sido para ver a UNITA a comer e calar, a ser submissa, a ser forte com os fracos e fraquinha com os fortes, que Jonas Savimbi lutou e morreu? Não. Não foi. E é pena que os seus ensinamentos, tal como os seus muitos erros, de nada tenham servido aos que, sem saber como, herdaram o partido e a ribalta da elite angolana. É pena que os que sempre tiveram a barriga cheia nada saibam, nem queiram saber, dos que militaram na fome, mas que se alimentaram com o orgulho de ter ao peito o Galo Negro.

Se calhar também é pena que todos aqueles que viram na mandioca um manjar dos deuses estejam, como parece, rendidos à lagosta dos lugares de elite de Luanda.

Não creio que Homens como Adalberto da Costa Júnior, Paulo Lukamba Gato, Kamalata Numa e muitos, muitos, outros, tenham deitado a toalha da luta política ao tapete. Também não creio que aceitem trair um povo que neles acreditou e que à UNITA deu o que tinha e o que não tinha.

E é esse povo que, de barriga vazia, sem assistência médica, sem casas, sem escolas, reclama por justiça e que a vê cada vez mais longe. E é esse povo que, como dizia o arcebispo do Huambo, D. José de Queirós Alves, não tem força mas tem razão.

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